OS SANTOS POPULARES * Fernando Pessoa * Apres. Yvette Kace Centeno * Il. Almada Negreiros e Eduardo Viana 1994
Descrição
Os Santos Populares Fernando PessoaApres. Yvette Kace CentenoIl. Almada Negreiros e Eduardo VianaPUBLICAÇ;O: Lisboa : Salamandra, D.L. 1994DESCR. FiSICA: Br.; 75, [2] p. : il. ; 22×22 cmExcertos:;Ainda que escriptos sobre o thema popular dos três santos lisboetas de Junho,estes poemas n;o s;o, nem pretendi que fossem, populares. Baseados no obscurosentido pag;o do nosso povo, pretendeu-se que o passassem para outro nivel; que,sendo fieis à emoç;o simples do povo lisboeta, interpretassem sem obscuridadedesnecessária, com as complexidades naturaes da intelligência. Foram escriptos, todos os três, no dia 9 de Junho de 1935. Chronologicamente,pois, n;o há nelles erro, salvo se houver qualquer coisa de erro em toda antecipaç;o.;9/6/1935Fernando PessoaSANTO ANTóNIONasci exactamente no teu dia —Treze de Junho, quente de alegria,Citadino, bucólico e humano,Onde até esses cravos de papelQue têm uma bandeira em pé quebradoSabem rir…Santo dia profanoCuja luz sabe a melSobre o ch;o de bom vinho derramado!Santo António, és portantoO meu santo,Se bem que nunca me pegassesTeu franciscano sentir,Catholico, apostólico e romano.(Reflecti.Os cravos de papel creio que s;omais propriamente, aqui,Do dia de S. Jo;o…Mas n;o vou escangalhar o que escrevi.Que tem um poeta com a precis;o?)Adeante … Ia eu dizendo, Santo António,Que tu és o meu santo sem o ser.Por isso o és a valer,Que é essa a santidade boa,A que fugiu deveras ao demónio.és o santo das raparigas,és o santo de Lisboa,és o santo do povo.Tens uma aureola de cantigas,E ent;oQuanto ao teu coraç;o —Está sempre aberto lá o vinho novo.Dizem que foste um pregador insigne,Um austero, mas de alma ardente e anciosa,Etcetera…Mas qual de nós vae tomar isso à lettra?Que de hoje em deante quem o diz se digneDexar de dizer isso ou qualquer outra cousa.Qual santo! Olham a árvore a olho nuE n;o a vêem, de olhar só os ramos.Chama-se a isto ser doutorOu investigador.Qual Santo António! Tu és tu.Tu és tu como nós te figuramos.Valem mais que os sermões que deveras pregasteAs bilhas que talvez n;o concertaste.Mais que a tua longinqua santidadeQue até já o Diabo perdoou,Mais que o que houvesse, se houve, de verdadeNo que — aos peixes ou n;o — a tua voz pregou,Vale este sol das gerações antigasQue acorda em nós ainda as semelhançasCom quando a vida era só vida e instincto,As cantigas,Os rapazes e as raparigas,As dançasE o vinho tinto.Nós somos todos quem nos faz a história.Nós somos todos quem nos quer o povo.O verdadeiro titulo de gloria,Que nada em nossa vida dá ou trazé haver sido taes quando aqui andámos,Bons, justos, naturaes em singeleza,Que os descendentes dos que nós amámosNos promovem a outros, como fazCom a imaginaç;o que ha na certeza,O amante a quem ama,E o faz um velho amante sempre novo.Assim o povo fez contigoNunca foi teu devoto: é teu amigo,ó eterno rapaz.(Qual santo nem santeza!Deita-te noutra cama!)Santos, bem santos, nunca têm belleza.Deus fez de ti um santo ou foi o Papa? …Tira lá essa capa!Deus fez-te santo! O Diabo, que é mais ricoEm fantasia, promoveu-te a mangerico.és o que és para nós. O que tu fosteEm tua vida real, por mal ou bem,Que coisas, ou n;o coisas se te devemCom isso a estéril multid;o arrasteNa nora de uns burros que puxam, quando escrevem,Essa prolixa nullidade, a que se chama historia,Que foste tu, ou foi alguém,Só Deus o sabe, e mais ninguém.és pois quem nós queremos, és tal qualO teu retraio, como está aqui,Neste bilhete postal.E parece-me até que já te vi.és este, e este és tu, e o povo é teu —O povo que n;o sabe onde é o céu,E nesta hora em que vae alta a luaNum plácido e legitimo recorte,Atira risos naturaes à morte,E cheio de um prazer que mal é seu,Em canteiros que andam enche a rua.Sê sempre assim, nosso pag;o encanto,Sê sempre assim!Deixa lá Roma entregue à intriga e ao latim,Esquece a doutrina e os sermões.De mal, nem tu nem nós mereciamos tanto.Foste Fernando de Bulhões,Foste Frei António—Isso sim.Porque demónioé que foram pregar contigo em santo?(in Fernando Pessoa, Os Santos Populares, Edições Salamandra e Casa Fernando Pessoa)
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