A HISTÓRIA TRÁGICO-MARÍTIMA Análises e Perspectivas Organização de Maria Alzira Seixo e Alberto Carvalho, 1996
Descrição
A HISTóRIA TRáGICO-MARiTIMAAnálises e Perspectivas Organizaç;ode Maria Alzira Seixo e Alberto CarvalhoBr., 235p., Edições Cosmos, Col. Viagem, nº 1Lisboa 1996Obs.:Recens;o de J.Cândido Martins in Letras & Letras:
RecensõesA História Trágico-Maritima (Análises e Perspectivas)Maria Alzira Seixo e Alberto Carvalho (Org.)Lisboa, Cosmos, 1996, 235 págs. (Col. Viagem, nº 1) A História Trágico-Maritima (Análises e Perspectivas)de Maria Alzira Seixo e Alberto Carvalho (Org.)
A conhecida antologia do erudito setecentista Bernardo Gomes de Brito, em 2 vols., História Trágico-Maritima, de 1735-36, continua a ser um inesgotável manancial para estudos de natureza antropológico-cultural, histórico-politica, e, sobretudo, de âmbito estético-literário. Uma demonstraç;o do visivel interesse que esta literatura realista e dramática do periodo da Renascença, do Maneirismo e do Barroco tem suscitado, está no elevado numero de trabalhos dispersos por várias revistas e livros publicados nos ultimos tempos; nos seminários de investigaç;o que se tem organizado sob inspiraç;o das comemorações dos Descobrimentos; nas diversas teses académicas de Mestrado e Doutoramento, apresentadas nos ultimos anos em universidades portuguesas, especificamente sobre a Literatura de Naufrágios; e ainda nas sucessivas edições da História Trágico-Maritima, ou de alguns naugrágios individualmente, com destaque para o inesquecivel Naufrágio de Sepulveda.
Os investigadores agrupados à volta do Seminário "A Viagem na Literatura", de vocaç;o comparatista e até interdisciplinar, têm nesta obra a primeira publicaç;o conjunta dos seus trabalhos. A sua organizaç;o coube a Maria Alzira Seixo *, que também assina o Prefácio, e a Alberto Carvalho. Por conseguinte, na prometedora Coleccç;o Viagem das Edições Cosmos, coordenada por Mª Alzira Seixo, é a primeira obra que esta investigadora organiza à volta da temática da Literatura de Viagens, com realce, neste volume, para o redescoberto subgénero da Literatura de Naufrágios. Trata-se de um volume colectivo, reunindo nove trabalhos de outros tantos investigadores de universidades portuguesas de Lisboa, évora e Madeira: Alberto Carvalho, José António Costa Ideias, Carlos Figueiredo Jorge, Maria Luisa Leal, Helena Maria Matos, Maria José Meira, a própria Maria Alzira Seixo, Clara Vitorino e Christine Zurbach.
Com a publicaç;o destes trabalhos, dá-se um notável contributo para o estudo dos relatos de naufrágio como género especificamente literário, alargando assim o âmbito histórico-cultural em que estes documentos eram tradicionalmente considerados. Como admiráveis monumentos literários, os relatos de naufrágio patenteiam uma riqueza estética que só várias abordagens criticas e de natureza manifestamente inter-disciplinar poder;o estudar de um modo adequado. Entre as diversas perspectivas de estudo desta literatura sui generis, que nos d;o conta da multiplicidade de enfoques critico-metodológicos suscitados pela Literatura de Naufrágios, destacam-se:
a) a reflex;o teorética sobre a especificidade dos códigos técnico-compositivos, temáticos ou retórico-estilisticos de um género ou subgénero da Literatura de Viagens, o relato de naufrágio, tal como nos aparece nas narrativas antologiadas por B. Gomes de Brito;
b) interligadamente, a problemática das relações entre a História (ou crónica) e a Ficç;o mais ou menos codificada, no âmbito de um actualizado conceito de literatura, concebido à luz de um integrado sistema semiótico-comunicacional;
c) o cotejo rigoroso entre os vários relatos da compilaç;o setecentista de Bernardo Gomes de Brito com as populares edições dos folhetos de cordel dos sécs. XVI e XVII, ou outras versões (trabalho de critica textual);
d) a critica comparatista, aproximativa da Literatura de Naufrágios portuguesa de obras congéneres noutras literaturas, como o relato de álvar Nunez Cabeça de Vaca, Naufragios, ou ainda outros textos da famosa lenda negra espanhola;
e) a inserç;o fundamentada da Literatura de Naufrágios no quadro das caracteristicas essenciais da Literatura Portuguesa, tal como foram sendo definidas desde a critica positivista de Teófilo Braga até Jacinto do Prado Coelho, passando por Fidelino de Figueiredo (o ciclo das Descobertas, a literatura maritima e de naufrágios);
f) o estudo da dimens;o semântico-pragmática do modelo narrativo recorrente na História Trágico-Maritima, inaugurado pelo paradigmático relato anónimo do Naufrágio de Sepulveda (unidades e estrutura narrativa, processos e técnicas descritivas);
g) a análise retórica do estilo adoptado na composiç;o destas singulares narrativas, quer pelos autores anónimos, quer pelos autores mais ou menos conhecidos (Manuel Mesquita Perestelo, Manuel Rangel, Pe. Manuel Barradas, Bento Teixeira Pinto, Manuel Godinho Cardoso, Diogo do Couto, Pe. Gaspar Afonso e Melchior Estácio do Amaral);
h) a abordagem intertextual e interdiscursiva, que privilegie recepç;o da literatura trágico-maritima desde a literatura classicista até à literatura contemporânea, com suas multiplas re-interpretações, do que resulta, globalmente, uma metafórica da decadência nacional, ou do reverso denunciado pela perspectiva dramatizada da historiografia catastrofista de Oliveira Martins;
i) as oscilações da recepç;o critica da Literatura de Naufrágios ao longo da História da Literatura Portuguesa, sem esquecer a critica estrangeira, desde pelo menos a critica romântica até aos nossos dias — de que se infere sobretudo a interpretaç;o ideológica desta literatura peculiar, bem como a sua progressiva revalorizaç;o;
j) os significados das diversas traduções dos relatos de naufrágios contidos na História Trágico-Maritima (ou mesmo do Naufrágio de Sepulveda, de Jerónimo Corte-Real) para várias linguas — espanhol (P. Blasco Suárez), francês (M. D. Avocat, J. L. Hubert Simon Deperthes, Ortaire Fournier, ou G. Le Gentil), italiano (G. B. B. Eyres ou Giulia Lanciani), inglês (Ch. R. Boxer), ou alem;o (Johannes Pögl) —, quer por devotados admiradores deste género literário, quer por eruditos lusitanistas, desde pelo menos o Romantismo oitocentista até à actualidade;
l) a interpretaç;o hermenêutica dos relatos de naufrágio à luz da Cultura Portuguesa, salientando, desde logo, nos relatos de naufrágios, aspectos como os hábitos, comportamentos ou expectativas que caracterizam a sociedade portuguesa dos sécs. XVI e XVII, os quais, ao mesmo tempo, fornecem um precioso contributo para a reflex;o sobre o modo de ser português;
m) a demonstraç;o, através da ediç;o de materiais adequados, das virtualidades pedagógico-didácticas da Literatura de Viagens e da Literatura de Naufrágios, no contexto do ensino da Lingua e Literatura Portuguesas ao nivel do Ensino Secundário.
é sobre algumas destas e doutras pertinentes questões ou perspectivas de análise da multifacetada riqueza literária contida na História Trágico-Maritima que versam os estudos dos autores referidos. Apesar da dificuldade de as apreciar individual e criticamente nesta oportunidade, as reflexões proporcionadas por estes autores revelam-se t;o estimulantes, que só nos resta esperar, com uma certa ansiedade, pelos próximos volumes consagrados à temática da Literatura de Viagens e de Naufrágios. Em suma, trata-se de uma das áreas que merece melhor aproveitamento nas aulas de Português ao nivel do Ensino Secundário; mas também mais aprofundamento interdisciplinar nas nossas universidades, em cadeiras de Cultura Portuguesa, de Literatura Comparada ou, naturalmente, de Literatura Portuguesa.___________________________
* Maria Alzira Seixo é Professora Catedrática da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Autora de inumeros trabalhos nas áreas da Literatura Portuguesa, Literatura Comparada e Teoria da Literatura, t;o conhecidos que n;o necessitam de apresentaç;o, esta investigadora tem devotado uma invulgar atenç;o à Literatura de Viagens, nela incluindo o subgénero da Literatura de Naufrágios. Neste sentido, coordenou um dos ultimos programas anuais dos Estudos Gerais da Arrábida/Conferências do Convento, organizado pela Comiss;o Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses (CNCDP). O curso da Arrábida, dirigido por Mª Alzira Seixo em 1995, foi consagrado ao tema A Viagem na Literatura. Assinale-se que este curso vinha na sequência do Seminário Internacional Estudos sobre a Literatura de Viagens, criado em 1994, pela Associaç;o Internacional de Literatura Comparada (AILC); bem como do seminário A Viagem na Literatura, criado pela CNCDP em 1990, e a funcionar na Faculdade de Letras de Lisboa. Em 1997, publicou-se o nº 2 da Col. Viagem, um grosso volume sobre Literatura de Viagens: Narrativa, História, Mito (Lisboa, Cosmos, 1997), obra colecticia das comunicações apresentadas ao Congresso realizado em 1995 na Univ. da Madeira.
Entre os ultimos trabalhos de Mª Alzira Seixo, individuais ou colectivos, neste dominio particular da Literatura de Viagens e/ou de Naufrágios, assinalem-se os seguintes: 1) "Sistema literário e sistema cultural (implicações teórico-literárias da narrativa de viagem)", Mare Liberum, 1 (1990), Lisboa, CNCDP, pp. 171-174; 2) "Sinais de terra: o texto e o mundo", Mare Liberum, 2 (1991), pp.121-130; 3) "Les récits de naufrages de l’Histoire Tragico-Maritime: combinatoires et sens tragique de la représentation", in Mª Alzira Seixo (Coord.), A Viagem na Literatura, Lisboa, Pub. Europa-América/CNCDP, 1997, pp. 103-125 (Col. Viagem, nº1); 4) "Concepç;o poética do lugar e do tempo na História Trágico-Maritima", in Colóquio Literatura dos Descobrimentos (Comunicações), Lisboa, UAL (Univ. Antónoma de Lisboa), 1997, pp. 111-123; 5) Por fim, permito-me destacar um texto relativamente breve, mas muito sugestivo até pelo seu poder de sintese: "A experiência da viagem na literatura portuguesa", in JL. Jornal de Letras, Artes e Ideias, nº 720 (20 de Maio de 1998), p. 9.
J. Cândido Martins
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